terça-feira, 21 de abril de 2009

quinta-feira, 26 de março de 2009

Silêncio


Um homem corre na praia em direcção ao crepúsculo. Tem pressa, o peixe ainda dá sinais de vida. Corre, pé ante pé na areia. Atrás, os amantes focam a cena. Recusaram o peixe, sorriram ao homem. Ele corre, eles pensam. Calam, escondem ansiedades, angústias. Olham o sol que se põe. Falam com as mãos. Três meses de incursão na pele e marés do outro. Três meses a evitar medir outras geografias, aquelas dos mapas. Calam, amam, beijam. Sentem a textura das palavras no silêncio dos lábios. Dali a meses, repetem o crepúsculo noutra varanda lançada sobre o mesmo mar. Há uma ameaça de ovo, vai surgindo uma outra voz taquara, em surdina. Da Bahía ao Rio de Janeiro, de Stella Maris ao Leblon. E os lábios a encontrarem de novo o sentido do silêncio das palavras.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Sol

És tu. Nasces assim todos os dias na perspectiva vislumbrada. No horizonte consentido. Portentosa luz. Tu, fêmea de mim, não páras de nascer- por entre cachos fecundos, sob os ombros, em cada gesto lançado de nós ao infinito. És luz renovada e parto recorrente. Ano Novo, marco dos astros. Mudança de estação. Surges no ocaso e vestes-te de aurora. És madrugada iluminada, solstício ansiado. Tens luz de promessa de vida e despertas-me a fome de existir. Beleza recriada, útero que envolve o ritmo dos dias. 31 anos. Nasces e renovas, permanentemente- até tudo ser possível por dentro do amor.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Largo

A mão está na mão e há uma frase que ecoa :antigamente, o largo era o centro do mundo. Havia um banco de jardim, uma história de avô.um afago ancestral. Era o largo. Hoje há turistas de outras narrativas empoleirados no bonde. Largo bilíngüe, praça cosmopolita, pouso de tramas emaranhadas por forasteiros. Santa Teresa vista de cima, da varanda da casa com livros, agora chamada Largo das Letras. A mão na mão e o olhar funde-se. A lua espreita. E as histórias antigas misturam-se com a textura da teia de fios que formam a nova geografia do Largo do Guimarães.

Santa Teresa

Os olhos tentam agarrar a palavra soletrada, cantada. Revisitam o poema. Não querem, não podem perdê-lo. As rugas no pescoço são feita de sol, traçam pedaços de outras vidas. Na testa, as veias latejam o ritmo do clã, os batimentos de várias árvores genealógica, de todo um povo. Duas imagens sobrepostas - uma é já ícone de graffiti. A outra ,canta, desenha versos, enrola samba atirado aos sobejos da sorte dos outros. E persegue com os olhos o poema soletrado de Santa Teresa.

Asas

Um afago que tende para o centro do corpo, planta em movimento. Os dedos tocam, afagam. Despertam, esfregam delicadamente. E todo o corpo é esse movimento:
em torno, em volta, no centro desses lábios de pele fecunda. Cala-se o grito nos pulmões do crepúsculo . São os meus já os teus dedos. Os nossos. É já dia. É já borboleta, larva há muito sublimada. Asas de néctar projectado no sonho, promessa de vida, retrato de luas. Asas de Catarina em Santa Teresa. Óvulo de nós.

Sombra

A cabeça estremece -é impossível correr tanto e pensar tão lucidamente. Há todo um Rio de Janeiro em baixo, deitado. Cidade estendida com esgares feitos de sangue cor de água e suspiros de beleza. A criatura precisa de poleiro, de um ramo que sustenha o peso dos olhos. São séculos de opressão agarrados ao ébano. Ouve-se um fado mudo balbuciado em Santa Teresa. É urgente ordenar as imagens marcadas na pele. Resgatar o viço das frutas vigiadas pelo antipático merceeiro. Precisa de poleiro, a criatura.Uma ligeira sombra.